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A Single Man, novela de Christopher Isherwood, e sua adaptação cinematográfica por Tom Ford


A Single Man, 2009. Dirigido por Tom Ford.
 

George é um homem que perdeu o companheiro de dezesseis anos de convívio. Esta ideia dá espaço para que imaginemos o conflito do personagem.

Capas de A Single Man
George é um homem adulto, homossexual, vivendo no período da Guerra Fria, professor de Literatura. Este conjunto de elementos, somados a perda do companheiro, que foi o amor de sua vida - "você é um homem romântico, professor." -, poderia ser trabalhada de diversas formas no cinema.

Em "A Single Man", Tom Ford, enquanto diretor, consegue fazer eu conhecer o mais novo filme favorito de minha vida. O filme é a adaptação da novela de mesmo nome, de Christopher Isherwood, de 1964. Tom, enquanto diretor, desenha a iminente bomba que destruiria tudo de uma guerra que nunca explodiu às vias de regra, e isso nas entrelinhas da fala de um protagonista que discursa sobre o Medo ser sempre a maior ameaça. Esse mesmo Medo, que é grande e tem diversas facetas, foi que, à mentalidade dos anos cinquenta, fez com que a família de seu companheiro o privasse de ir ao seu funeral.

Descobrimos a dor de George mais por suas cenas, e pela atuação incrível de Colin Firth, do que pelos flashbacks de seus momentos com seu parceiro, enquanto ele estava vivo. Nos flashbacks, vemos que oito anos de luto não foram o suficiente para que Geoge se curasse, mas foram o suficiente para que ele decidisse o que deveria fazer da vida até então: encerrar a sua guerra fria particular, que ficava entre a falta de vontade de viver e o suicídio de fato, e passar a planejá-lo da forma mais virginiana possível: minunciosa, com cartas de instruções e de despedidas. É preciso, provavelmente, uma frieza adquirida apenas pela convicção em se matar para poder planejar tão detalhadamente a própria morte - não sujar os colchões, a posição com que atiraria em si mesmo, e a possível forma como cairia no chão. A angústia e a beleza, entretanto, dançam juntas na tela.

Este não é um filme dramalhão. Está mais para um lamento digno de uma bicha às portas da velhice, intelectualíssima, cuja toda força e coragem para viver  - "é hora de enfrentar mais um maldito dia" - se foi com a Segunda Guerra Mundial, com a nova Guerra Fria, e principalmente, com a morte de seu companheiro de dezesseis fucking anos de convivência e amor. Outras tantas coisas perturbam George: a beleza dos homens. Seus corpo, que afinal é vivo, ainda deseja, embora o desejo não seja tão grande quanto a perda das perspectivas.

Entre os homens, há um de seus alunos: Kenny, Todas as vezes que ele aparece, assim como todas as vezes que a câmera sai da figura de George, Tom aumenta o contraste das cores, e por alguns instantes o filme não tem mais a temperatura fria e melancólica. Kenny me parece a figura do jovem, do novo, do ingênuo, da, mesmo que clichê, esperança. E está apaixonado por George, seu professor. Talvez seja o fio de vida, a pulsão do que ainda resta para viver e descobrir de vida que faça George não dispensá-lo como dispensa todos os outros rapazes. E é também Kenny que, como um símbolo enganoso, uma armadilha tanto para George quanto para o espectador, engana as nossas expectativas quanto ao destino de George, quanto a sua iminente morte, irrefreável: se George não morrer suicidando-se, morrerá de um ataque do coração. George morre, afinal, como se espera. "Tudo é exatamente como deveria ser": e o que deve ser, aqui, não é sua morte, mas antes dela, e também após, sua ligação sublime a seu companheiro morto, que vem resgatá-lo ao final do filme, numa cena, como todas as outras, linda, linda, linda. "A Single Man" também um filme sobre como seguir com a vida, e como transformar as relações, quando se é imposta pela morte a necessidade de transforma-las; é sobre a perda de um companheiro de dezesseis anos de convívio; e é de fato, sobre seu protagonista, George, ter estado só prolongando o próprio destino.

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